31.7.09

 

Sobre os termos Alcorão/Corão e Mafoma/Maomé


Em recente convívio com amigos e colegas de profissão, voltei a comprovar a geral confusão que persiste entre os Portugueses, mesmo entre pessoas cultas, informadas e actualizadas, como era o caso, sobre o vocábulo que, no nosso léxico, usamos para designar o livro sagrado dos Muçulmanos : o Alcorão, que muitos teimam em desprezar, preferindo o termo de origem francesa Corão. Alguns até julgam que com isso evitam o imaginado pleonasmo contido no vernáculo Alcorão, no que caem em lamentável equívoco.

Sendo este tão generalizado, vou aproveitar o ensejo para, modestamente, expender aqui algumas explicações, valendo-me do saber daquele meu saudoso Professor do Ensino Secundário da Disciplina de Português, o Dr. José Pedro Machado ( n. 08-11-1914 – f. 26-07-2005 ), ilustre Académico e cidadão probo, qualidades hoje difíceis de descobrir, ainda mais irmanadas na mesma pessoa, mas que nele eram absolutamente naturais, notórias e geralmente reconhecidas.

Nos últimos anos, em diversos fóruns, várias vezes a ele me tenho referido, sempre de forma elogiosa, como cumpre, a quem muito se considera beneficiado do seu amável convívio e da sua esclarecida erudição.

Posso mesmo dizer que José Pedro Machado terá sido a pessoa que, neste capítulo da pura erudição, mais me impressionou, tanto mais que, a essa condição, aliava a de uma simplicidade e lhaneza de trato sumamente invulgares nos tempos que correm.

Nunca eu certamente darei por supérfluos ou descabidos os encómios ou as meras referências que à sua figura possa tecer, sempre que a ocasião o propicie, como esta do momento presente, a propósito do esclarecimento do termo mais adequado para designar na nossa língua o livro sagrado dos Muçulmanos.

Como este eminente arabista, desafortunadamente, apesar da sua avançada idade, desaparecido do nosso convívio faz agora quatro anos, frequentemente esclareceu, o livro sagrado dos Muçulmanos designa-se, em bom português, por Alcorão (do ár. Al-quran, a leitura, por excelência, a do livro sagrado), tal como sempre escreveram os nossos escritores, desde o século XIII e XIV, incluindo os clássicos, como Camões ( Os Lusíadas, III, 50:8 e VII, 13:4 ) e os românticos, como Herculano, e quase todos os Historiadores desde então até aos escritores contemporâneos de língua portguesa mais escrupulosos no uso do vernáculo.

Só por hábito recente, por imitação dos franceses, que empregam o termo «Le Coran» e dos ingleses, com o seu «The Koran», se começou, entre nós, a preferir o termo Corão, sobretudo por influência francesa, muito intensificada a partir do século XVIII, embora em ambas estas línguas persista nos dicionários o termo « Alcoran ».

Como JPM explicou, p. ex., em « Palavras a propósito de Palavras – Notas Lexicais », da Editorial Notícias, 1992 e no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, em 5 volumes, da Editora Livros Horizonte, 5ª edição, 1989 – o substantivo árabe, em regra, ao entrar na nossa língua, trouxe consigo associado o artigo definido árabe – al – e, por isso, temos em Português « o Alcorão », tal como «a alfaia», e não a faia, «o alguidar» e não o guidar, « o alfinete » e não o finete, «o alfaiate » e não o faiate, « o alferes » e não o feres, «o alcaide» e não o caide, «a almotolia» e não a motolia e assim por diante.

Muita gente, por gosto e vezo de francesias, acabou por aportuguesar o « Coran » francês, para « Corão », não cometendo com isso, certamente, nenhum crime de lesa-majestade, mas sem que haja necessidade de o fazer, nem, muito menos, é válida a justificação, para tal apontada, alegadamente, de que assim se foge ao suposto pleonasmo com a repetição do artigo já contido no termo Alcorão.

Trata-se, como mencionado, de um processo típico de incorporação de termos de língua árabe, substantivos, principalmente, no Português, em que aquela se fez, na formação do nosso vocábulo, aglutinando o artigo definido árabe «al» ao termo original. De resto, basta consultar qualquer obra de Filologia Portuguesa, de JPM ou de outro reputado autor, para se comprovar a doutrina.

Como se descobre, paira por aí muita confusão sobre estes assuntos do Árabe e do Português, o que não nos deve causar grande admiração, visto que daquele pouca gente sabe em Portugal e, do nosso próprio idioma, cada vez se sabe menos, situação que, naturalmente, potencia o aludido equívoco bastante difundido entre nós, pese todo o labor despendido a este respeito por José Pedro Machado e por tantos outros dos nossos eméritos estudiosos do Idioma, felizmente em grande número e que nos legaram vasta e variada obra, prenhe de conhecimento, que só aguarda a nossa porfiada consulta.

A talhe de foice, acrescentarei ainda, na continuação deste tributo à memória de tão emérito Mestre, que o nome do Profeta do Islão ( termo que significa submissão, subentendendo-se a Deus/Alá e não a qualquer Imã ou descendente do Profeta ) tem, em Português, vários termos ou designações, sendo os mais antigos e, por isso mesmo, de maior legitimidade, o de Mafoma ou Mafamede, como Camões usou em várias passagens de «Os Lusíadas» e não Maomé, que veio também por influência francesa.

Este termo veio a ganhar entre nós larga aceitação, mas tal não justifica o desterro daqueles outros, mais vernáculos, sem mácula de galicismo, hoje, com efeito, pecadilho de somenos, em face da enxurrada de anglicismos que invadiu a doce e formosa Língua lusitana, « última flor do Lácio », no dizer feliz e lapidar de um virtuoso sonetista, o poeta brasileiro Olavo Bilac.

Com a ajuda do insigne Mestre acima evocado, aqui fica, por conseguinte, este meu singelo contributo para o esclarecimento de um assunto que continua desnecessariamente a trazer tantos Portugueses mergulhados em duradouros equívocos e em descabidas confusões.


AV_Lisboa, 31 de Julho de 2009

24.7.09

 

A Propósito do Primeiro-Ministro que ainda Estará para Nascer



Custa-me voltar a Sócrates, mas a sua petulância a tal me obriga. Ouvi-lo a vangloriar-se das suas pretensas realizações, da forma hiperbólica como o fez, excede o que uma mente, ainda que muito cristã, o que não é manifestamente o caso, consegue aturar.

Estará ainda para nascer, disse esta estupenda sumidade «socialista», o Primeiro-Ministro que tenha feito melhor do que ele no controlo do défice orçamental, de novo caído para a casa dos 6 % do PIB, com as culpas imputadas à crise financeira internacional, está bem de dever, como de resto pelo desemprego, pela quebra do investimento estrangeiro, pela desindustrialização do País, pela quebra do Turismo, etc., etc. Abençoada crise internacional que ainda lhe dará um milagroso empurrãozinho eleitoral em Setembro próximo.

Poderá ele agora voltar a pedir ao seu camarada do BdP que o ajude a calcular este inesperado valor do défice, que espantosamente cresce, quando toda a Economia se retrai.

Sócrates invoca o aumento dos requerentes das prestações sociais para a sua justificação, dada a crise financeira internacional, sempre ela, a prejudicar Portugal, mas aproveitada por Sócrates, para o salvar das responsabilidades políticas, próprias e do seu Partido, fortemente cúmplice de um Governo medíocre e trapaceiro, como poucos tivemos nos últimos 35 anos.

Ainda só lhe vimos reconhecer alguma deficiência na área cultural. No resto a sua presunção passeia-se impante, impulsionada pelo vento forte da Demagogia, sua permanente musa inspiradora.

Perante isto que dizer de tamanha cumplicidade, dentro do Partido, com a excepção intermitente de Manuel Alegre, reconheça-se, embora seja muito pouco. E fora, na vasta Comunicação Social, em geral, prevalece uma atitude complacente, sem nenhuma comparação com a excitação que a percorre, quando práticas governativas idênticas ou piores pertencem ou pertenceram a Governos do PSD ou da Direita.

Esta, aliás, é, na dita Comunicação Social, tenebrosa, por regra, ou chega a ser quase pré-fascista, como amiúde é mediaticamente apresentada qualquer representação política à direita do PS, o partido charneira do sociedade portuguesa, como o classicava Soares, com aquele seu rigor ideológico ou político, celebrizado por cá e no no estrangeiro, onde, como se sabe, alcançou alta distinção, comprovada nos vinte e tal Doutoramentos recebidos.

Também aqui se poderia ajuntar que ainda estará por nascer outra figura política, intelectual, artística, cultural ou científica portuguesa capaz de agregar tanto título universitário.

Quanto aos manifestos de intelectuais independentes que ultimamente têm surgido todos muito preocupados com o futuro de Portugal, sobretudo se finalmente livre da tutela socrática, é caso para se perguntar se só agora terão acordado para a realidade do País.

Devem certamente ter adormecido no róseo regaço socrático desde o ano de 2005 e agora, subitamente estremunhados, sobressaltados com a terrível hipótese da punição eleitoral do seu devotado protector e inspirador, reúnem esforços e apoios para exorcizar o espectro da derrota.

Daqui até Setembro, iremos assistir ainda a mais alguns destes toques a reunir. Esperemos, no entanto, que os incautos se revelem em escasso número, a bem da pureza do ar que queiramos respirar.

Claro que do que se disse não deve inferir-se que a alternativa que se perfila seja isenta de dúvidas ou mesmo de temores. Bastou-nos a experiência barrosista e depois a santanista para percebermos com o que devemos contar.

Mas, primeiro há que sacudir um jugo, o presente, para, a seguir, se buscar melhor remédio. Sempre este princípio pareceu preferível a continuar a alimentar o mal em exercício. E nesta recomendação por ora fiquemos.

Haja fé que atrás do tempo, tempo vem, como cantava o Fausto em tempos de maiores esperanças e de enormes ingenuidades.

AV_Lisboa, 23 de Julho de 2009

7.7.09

 

A Desorientação Socrática



O grau de desorientação do Governo socrático cresce continuamente.
Os dois últimos episódios amplamente comentados na Comunicação Social e na diversificada blogosfera : o aparte ordinário do Ministro Pinho, em plena Assembleia da República e a proibição das candidaturas simultâneas nas listas do Partido para as várias eleições em curso, são disso prova concludente, ainda que em si mesmos se afigurem pouco relevantes.

No primeiro, tratou-se de alijar um confirmado caso de incapacidade natural da pessoa para o cargo que lhe fora atribuído.

No segundo, apesar de correcto, ele peca por se revelar excessivamente tardio e por conseguinte ferido de completa falta de sinceridade. Lá ficaram os casos das suas estrepitosas militantes Ana Gomes e Elisa Ferreira, à margem da regra ora imposta.

Assim, no espaço de dias, tivemos mais dois casos de evidente desorientação política, a somar ao da trapalhada da pretendida intromissão na TVI, por interposta empresa sob controlo político do Governo, aos avanços e recuos das Pontes, das Auto-estradas, dos TGV, etc., etc.

O Verão promete, por isso, ser politicamente bastante quente, mesmo que não atinja as temperaturas do outro Verão, por antonomásia, o Verão quente, o de 1975, quando tudo parecia possível de acontecer no País, incluindo uma verdadeira Revolução bolchevique ou uma prosaica, mas certamente, devastadora Guerra Civil.

Valeu-nos, então, a intuição salvífica de Soares, agindo naquele transe com acerto e sentido de oportunidade, o que o fez pender para o lado democrático, arrastando consigo a maioria do País.
Comprovou-se também aqui, mais uma vez, o velho aforismo segundo o qual ninguém está impedido de dizer ou fazer coisas correctas, úteis ou acertadas.

Felizmente, as alternativas já não se configuram tão dramáticas. Contudo, as circunstâncias actuais contêm suficientes germes de conflitualidade para desencadear um agitado Verão de 2009.

Haja discernimento suficiente para perceber, de novo, onde se aloja o mal maior, pese toda a habilidosa manobra socrática, no campo da Comunicação Social, onde, de resto, ela conta com numerosos e eficientes sequazes.

AV_Lisboa, 06 de Julho de 2009

This page is powered by Blogger. Isn't yours?